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Distopia e Black Mirror
Habbas Gazan


Distopia e Black Mirror - Habbas Gazan

   'Distopia ou antiutopia é o pensamento, a filosofia ou o processo discursivo baseado numa ficção cujo valor representa a antítese da utopia ou promove a vivência em uma “utopia negativa”. As distopias são geralmente caracterizadas pelo totalitarismo, autoritarismo, por opressivo controle da sociedade'. (Wikipédia)

   A maioria das distopias tem alguma conexão com o nosso mundo, mas frequentemente se refere a um futuro imaginado ou a um mundo paralelo no qual a distopia foi engendrada pela ação ou falta de ação humana, por um mau comportamento ou por ignorância.

   A literatura distópica costuma apresentar pelo menos alguns dos seguintes traços: tem conteúdo moral, projetando o modo como os nossos dilemas morais presentes figurariam no futuro; oferecem crítica social e apresentam as simpatias políticas do autor; exploram a estupidez coletiva; o poder é mantido por uma elite, mediante a somatização e consequente alívio de certas carências e privações do indivíduo; discurso pessimista, raramente "flertando" com a esperança; violência banalizada e generalizada.

   Paralelo a isto, outras características são bem presentes no cinema: homem vs máquina; sociedade em colapso, tirania; opressão; alta tecnologia não resultante em avanço social;  escassez de recursos naturais;  devastação global; luta por sobrevivência (geralmente resultando num conflito Homem vs Homem); paranoia tecnológica (tecnologia alienadora/controladora/ simulacro de realidade/ virtualização total do homem);  ciência antiética (experiências com cobaias humanas, experiências genéticas, armas biológicas, mutações, clonagem).

   O termo “distopia” foi ideia do pensador John Stuart Mill, que em 1868 sentiu necessidade de uma palavra que explicasse bem o suficiente a inversão dos valores utópicos de Morus na era industrial. Mas seu pioneiro veio mais de cem anos antes: o escritor anglo-irlandês Jonathan Swift com suas Viagens de Gulliver. O termo, porém, só entrou para o imaginário popular depois de cunhado pelo estadista e escritor britânico Thomas Morus em 1516.

   Você já imaginou um mundo ideal? Um mundo sem pobreza, guerras ou crimes? Se sim, você não está sozinho! Platão pensou em uma república governada por filósofos. Por toda a história grupos tentaram construir o paraíso na terra. Em 1516, Thomas Morus deu um nome a esta ideia: utopia, do grego ‘lugar nenhum’. Apesar do nome sugerir algo impossível, o progresso científico e político gerou a esperança deste sonho se tornar realidade. Mas várias vezes este sonho se tornou um pesadelo de guerras, miséria e opressão. Quando os artistas começaram a questionar a ideia de utopia, a distopia “lugar ruim” nasceu. ‘As viagens de Gulliver’ de Jonathan Swift é uma das primeiras obras distópicas. Em sua jornada, Gulliver se depara com sociedades fictícias. Algumas parecem ser notáveis mas, na verdade, defeituosas. Os historiadores dizem que Swift estabeleceu as bases da distopia ao imaginar um mundo onde aspectos da sociedade são exagerados, expondo assim suas falhas inerentes. Os séculos seguintes seriam ricos em exemplos. As tecnologias industriais prometeram libertar os trabalhadores, mas os confinaram em favelas e fábricas, enquanto os donos das fábricas ficaram mais ricos que reis.

   O século XX trouxe mudanças espantosas na vida cotidiana, na medicina, no comércio, e a mídia de massa permitiu a comunicação entre líderes e o público. Em ‘Admirável Mundo Novo’ de Aldous Huxley os cidadãos são geneticamente modificados e condicionados para seus papéis sociais. Embora a propaganda e as drogas mantenham todos felizes, fica claro que um elemento humano crucial é perdido.

   Mas as distonias mais conhecidas não foram imaginárias. Enquanto a guerra industrial tomava a Europa, novos movimentos políticos alcançavam o poder. Alguns prometiam eliminar as diferenças sociais, outros buscavam unir as pessoas ao redor de uma herança mítica. O resultado foram distopias reais, onde a vida ocorria sob o olhar vigilante do Estado e a morte vinha com impiedosa eficiência q quem não pertencesse ao grupo. Muitos escritores não só observaram esses terrores, como os viveram. O romance “We” de Yevgeny Zamyatin narra um futuro onde a liberdade e individualidade são eliminadas. Banido da então URSS, o livro inspirou George Orwell que atuou na linha de frente contra o fascismo e o comunismo. Enquanto ‘A Revolução dos Bichos’ satiriza o regime soviético, o clássico ‘1984’ critica o totalitarismo, a mídia e a linguagem.

   Após a 2a Guerra, autores questionaram o que tecnologias como a energia atômica, viagem espacial e inteligência artificial representam para a humanidade. Opondo-se à crença popular de progresso, a ficção científica distópica alcançou filmes, HQs e jogos. Robôs voltam-se contra seus criadores, pessoas trabalham em colônias espaciais fora de uma Terra sem mais recursos, superpovoada e infestada pelo crime. Obras como ‘Dr. Fantástico’ abordam a ameaça de uma guerra nuclear, o que nunca esteve tão real quanto agora com o homem coreano dos mísseis.

   As distopias atuais continuam a refletir as angústias modernas sobre desigualdade, mudança climática, poder dos governos e epidemias globais. No fundo, as distopias são alertas, não sobre tecnologias em particular, mas sobre a ideia de que a humanidade pode ser moldada de uma forma ideal.

   Pense num mundo perfeito para você! Você pensou no que seria preciso para obtê-lo? Como as pessoas cooperariam? E como garantir que isso dure? Como seriam os sentimentos neste mundo? Qual o custo que pagaríamos por isto?

   O desenvolvimento de tecnologias é um processo irreversível e este mundo parece estar cada dia mais próximo. Hoje já somos muito mais controlados que que muitos de nós tem conhecimento. Os algoritmos estão aí para nos fazer pensar. Cabe-nos questionar aonde queremos chegar, qual o custo pagaremos por isto e como se proteger deste futuro que bate as nossas portas. Bem vindo ao espelho negro!

 

 

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